Confissões de Guilherme O.—
November 2, 2019
Escreveu estas linhas nos seus últimos sete dias aqui no mundo. Ninguém sabe se ele morreu, e o seu pai dizem a quem quer escutar, que «ele andou com Deus como Matusalém» [sic].
1
O sofrimento deles é-me estranho e incompreensível. Imagino que seja simplesmente meu egoísmo, meu incapacidade a simpatizar com ninguém além de mim. Seria fácil se fosse assim. Mas duvido que seja isto, que seja tão simples como isto.
2
Eu sem saber tornei-me um deles.
3
O cansaço e o fome fazem-te-lhes escravo. Crescemos por causa desta fome, ora física, ora espiritual, sem a qual nem a vida nem a morte tem significado. Nascemos com esta fome como mestre, e algumas pessoas passam a vida toda sem sabe-lo, imaginando que sejam os senhores das suas próprias vidas, que tenham controle. Por outro lado, quem percebe, percebe demasiado tarde e depois de se dar conta da verdade (ou seja, depois de acordar) perde a esperança e submete-se ao cansaço. Há pessoas que dizem que o cansaço é somente um produto da velhice, mas quem tem olhos sabe bem que o cansaço é o único jeito para poder aguentar a vida. Ser cansado é aceitar que sempre seremos sem poder, não importa o que façamos ou digamos ou pensemos: que uma vez nascido, não há como fugir, nem a morte nos pode liberar.
4
Somente um santo pode amar-te, somente um santo pode amar os pecadores. Não sou um.